sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A Suposta Dupla Inspiração de Paulo


É possível que alguém sustente ao mesmo tempo a autoridade das Escrituras enquanto regra de fé e prática, e a falibilidade de algumas passagens, supostamente marcadas pelo pensamento de seu autor? Seria racional uma doutrina da "Dupla Inspiração" na Bíblia? Isso é antagônico, mas para alguns parece aceitável.
Li recentemente um texto no blog de Sarah Sheeva,  filha de Baby Consuelo, onde se argumentava a favor do ministério pastoral feminino. Pior do que contrariar as Escrituras no que tange ao texto de 1 Timóteo 2.9-15, é a leitura que se faz de Paulo enquanto escritor inspirado. Desta forma, em conformidade com o Liberalismo, a fim de fazer a Bíblia falar o que é interessante para cada um, vale tudo, até jogar o autor contra si mesmo em algumas passagens. Já me deparei antes com esse tipo de leitura seletiva do apóstolo, e quero discorrer sobre ela em algumas passagens.
Na hermenêutica dessa turma, Paulo é inspirado quando fala algo que agrada a maioria, e retrógrado quando contraria o pensamento vigente desse século. No caso do ministério pastoral feminino, sua sustentabilidade acompanha a evolução social, tornando sua admissão um fruto do pós-modernismo. Hoje em dia é inaceitável que se diga "A mulher aprenda em silêncio, com toda submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio". Aceitável ou não, é o que está escrito há séculos, e para negar isso e extrair o que bem se quer do texto, é preciso uma manobra uma tanto quanto desonesta. Não tenho tempo aqui para me ater a cada texto sublinhado, mas quero apenas levantar a falta de coerência dos argumentos para com a doutrina da inspiração. Minha intenção aqui não é rechaçar biblicamente o ministério pastoral feminino, mas mostrar o quanto custa sustenta-lo com base em contradições bíblicas. Em um outro post posso fazer isso.
Paulo aqui é identificado pelos inimigos do texto como um refém dos seus dias. A cultura, tanto judaica como grega era avessa as mulheres, sempre as desqualificando e menosprezando. Isso é fato, sabemos que desde a queda o mundo é em sua maioria machista, e perverso para com as mulheres, mas não podemos admitir que um autor inspirado encontrava-se aqui reproduzindo um pensamento secular altamente maligno como esse. Paulo passa a ser contestado com outras passagens das Escrituras, como da criação em Gênesis, e também pelo trato que Jesus dispensou às mulheres. Os seus próprios textos são lançados contra si a partir de 1 Coríntios 11.5; Gálatas 3.28; Tito 2.3,4. É dito ainda, talvez para não desacreditá-lo ao extremo, que sua intenção não era contrariar o ensino de Jesus, mas apenas aconselhar de forma particular esse caso. Ou seja, não se tratava de doutrina, mas de um parecer pessoal que Paulo estaria dando sobre algo muito específico, sem qualquer valia maior para as demais igrejas.
Paulo escreve sim a luz das circunstâncias da Igreja de Éfeso, onde Timóteo pastoreava, mas tendo em mente a Criação e a Queda. "Porque, primeiro, foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão". Tanto a Criação quanto as circunstâncias da Queda nos apontam para uma ordem hierárquica na qual Deus criou e instituiu a relação macho e fêmea, sendo o primeiro o cabeça e a segunda sua auxiliadora idônea. Assim, Paulo não fala em nome do machismo vigente, e nem circunscrito a Éfeso, mas para toda  Igreja, pautado nas Escrituras.
Já vi argumento semelhante em Efésios 5.22-24, onde a submissão da mulher ao marido também é um ranço machista em Paulo. É incrível que quando em seguida o apóstolo diz aos maridos que amem suas esposas, para esses leitores seletores tudo passa a ficar bem. Ou seja, a submissão feminina é Paulo falando, o amor dos maridos é o Espírito falando. Seria como se o apóstolo se desprendesse da inspiração divina por alguns versículos, sendo logo em seguida resgatado. A visão de submissão proposta nesse tipo de leitura é conforme o mundo, e o amor dos maridos também. Para fazer esse tipo de manobra, despreza-se o padrão em Cristo e a Igreja, bem como a ideia de submissão mútua no verso 21.
Outro texto que conheço em Paulo é usado contra é em 1 Coríntios 8.4, onde se diz que "o ídolo, de si mesmo, nada é no mundo, e que não há senão um só Deus". Por essa afirmação relacionada aos sacrifícios, fora dito que não existem demônios. Questionei trazendo a luz o texto seguinte de 10.20,21, onde Paulo fala sobre sacrifícios e associação com demônios, bem como seu cálice e mesa. Nessa mesma hora o apóstolo que antes havia negado "corretamente" a existência de demônios, tornou-se um refém das super tições daqueles dias. Ou seja, o apóstolo sofria de esquizofrenia, pois ao mesmo tempo que afirmava uma coisa, via outra. Paulo ali esta dizendo ao mesmo tempo que os ídolos que nada são de fato, e que nenhum direito tinham sobre a carne dos sacrifícios, eram na verdade demônios, em cuja associação os crentes em Coríntios não deviam se encontrar. Ou seja, as carnes sacrificas aos ídolos não tinham nenhum poder sobre os crentes, mas suas festas e ofertas, feitas regadas a banquetes e bebidas, não podiam fazer parte do expediente dos membros da Igreja.
Segundo essa hermenêutica do "bem me quer, mal me quer", Paulo não é um autor confiável. É preciso saber onde ele é inspirado, e onde ele é simplesmente um porta-voz de seus dias e suas tradições. Penso que se assim o fosse, certamente a passagem de Filipenses 3.1-9 também não poderia ser considerada verdadeira. Ele diz que não conservou seu currículo como hebreu, mas o considerou como refugo, algo a ser perdido, para ganhar Cristo. Paulo tinha diante de si a perfeição, cujo alvo é Jesus, na direção da qual ele corria. Seus escritos tinham essa proposta, não de confiar na sua própria carne, em sua experiência, mas na obra mediante da ressurreição em Cristo.
Assim, um problema maior se instaura quando um autor bíblico pode ser lido seletivamente. O liberalismo trata as Escrituras não como Palavra de Deus, mas como contendo a Palavra de Deus, e cabe ao leitor selecionar aquilo que lhe serve como tal. Como já disse anteriormente, ou a Bíblia é Palavra de Deus para nós, ou somos deuses para ela, e podemos assim dizer o que procede e o que não procede. Ou nos submetemos pronta e sinceramente a ela, com nossos corações dispostos a nos sujeitarmos a sua sabedoria, ou abraçamos o conhecimento deste século, e julgamos as Escrituras por seus critérios. Parafraseando Jesus: Não podemos ouvir dois senhores, ou nos submetemos a um e menosprezamos o outro, ou relativizamos tudo conforme o outro, desacreditando em um. Não se pode ouvir a Bíblia e ao mundo ao mesmo tempo.