sábado, 25 de maio de 2013

Um cânon dentro do Cânon

Se as Escrituras não são Palavra de Deus para nós, somos deuses sobre elas.

Quando criança gostava de brincar com espelhos que sobrepostos refletiam minha imagem ad infinitum. É possível que um olhar assim possa ser lançado sobre as Escrituras, quando estas não são reconhecidas como regra de fé e prática sobre nossas vidas, ou, em outras palavras, não são a Palavra de Deus para nós.
O entendimento de que a Bíblia é palavra de Deus se dá pela fé. Podemos observar o seguinte:
Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações. (Confissão de Fé de Westminster 1.V).
Não se pode confundir o apreço que alguém pode ter com as Escrituras por suas qualidades, com a fé necessária para seu entendimento. Assim como alguns consideram Jesus um ser extraordinário, mas ainda assim um mero homem, consideram a Bíblia como um livro incomum, acima de todos os demais, todavia nada mais que um livro. Podem ressaltar qualidades estupendas, mas ainda assim desconhecem a natureza de sua autoridade. De fato a Bíblia é muito mais que um livro extraordinário, é a Palavra de Deus.
Para o Liberalismo clássico, ela esta repleta de erros, e não pode ser confiável em matéria do que fala acerca do sobrenatural. Ela tem seu valor moral em algumas partes, mas de acordo tão somente com o que representa a razão humana. É justamente ai que o Cânon bíblico é subtraído. Já não se reconhece mais a autoridade de muitos textos que compõe a lista de livros canônicos, em função de algo que se julga mais creditável que as Escrituras como um todo: o pensamento moderno. Todavia tal posicionamento lançou um olhar muito áspero sobre as Escrituras, e fez-se necessário uma palavra branda.
Os eventos do século XX, que culminaram na decepção sobre a razão humana, trouxeram o pensamento pós-moderno e a esperança de uma visão mais complacente da realidade. Logo, evocou-se em detrimento da razão o sentimento relativista de que a verdade pode ser mais que uma. O âmago da leitura bíblica deixa de ser o que Deus fala conosco, mas o que eu entendo daquela passagem. Os pentecostais em nome de superstições e misticismo, fogem muitas vezes do sentido verdadeiro do texto para justificarem suas experiências, isso quando não se afastam completamente em nome de alguma revelação extemporânea. Os neo-ortodoxos, seus irmãos mais intelectualizados, fogem em nome de uma experiência religiosa de cunho existencial, onde fala mais alto o que agrada o coração do ser caído, cheio de si e de suas questões últimas sobre a vida. Em ambos os casos, estes filhos do liberalismo não têm a coragem de negar diretamente a Bíblia, mas a substituem confiando em si mesmos, elegendo suas próprias verdades.
A leitura bíblica seletiva, onde alguns textos são de origem divina e outros profana, faz com que as pessoas se sintam verdadeiros editores do Espírito Santo. Chega a ser ridículo alguém afirmar que em Efésios 5.22 "mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos", Paulo escreve segundo o machismo de seus dias (como se até hoje o machismo não existisse), para logo em seguida, no verso 25 "vós, maridos, amai vossas mulheres", já se encontre em alinhamento com o Espírito. Ou seja, pensa-se que o Espírito inspirou parcialmente os autores bíblicos, pois ao mesmo tempo permitiu a inserção de muito material humano junto de sua Palavra. É necessário então mentes como a de Caio Fábio, integrada de maneira cósmica com Deus e a história, para se fazer uma edição do que é lei, e do que é graça (como se estes dois estivessem em contradição). O que acontece na verdade é que se as Escrituras não são a Palavra de Deus para nós, somos deuses sobre elas.
O que sei é que desde de que Deus criou o mundo, Ele tem se revelado ao homem pela sua Palavra. Que desde que chamou Moisés Ele tem feito com que homens santos registrassem infalivelmente sua Palavra (2 Pedro 1.21). Que apesar das traduções, o material que temos disposto para o conhecimento da Palavra de Deus, e isso já nos dias de Jesus e os apóstolos, são as Escrituras. Que em matéria de conteúdo, existência e influência, a Bíblia é maior que qualquer homem que já tenha vivido. E que aquele que não é um homem qualquer, mas o Filho do homem, Jesus Cristo, afirmou que são justamente as Escrituras que atestam a seu respeito (João 5.39). Portanto, quem são aqueles que se fazem juízes sobre a Bíblia quando o Supremo Juiz já deu o seu veredito sobre este mesmo livro? Refletindo sempre sobre suas almas, como em um espelho infinito, descobrem apenas o vazio, e querem igualmente esvaziar a Palavra de Deus das Escrituras. Ai deles, pois pesa sobre isso uma dura sentença  (Apocalipse 22.18,19).     


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Voltando a falar de Jó


Depois de quase quatro anos, volto a esse post como prometi ao fim primeiro. Além da soberania de Deus atestada sobre todas as coisas, no caso em especial, sobre Satanás, quero destacar outro aspecto interessante nas primeiras linhas desse livro. Em seu papel de acusador, Satanás traz a tona sua perspectiva "teológica" sobre em que se baseia um relacionamento com Deus.
Satanás é chamado para uma conversa pelo próprio Deus. É curioso o fato de Deus estar "interessado" no itinerário de Satanás, como se não soubesse todas as coisas. É certo que sua pergunta não foi motivada por falta de conhecimento, uma vez que Ele é onisciente. "De onde vem?" e "Observas-te meu servo Jó?" são perguntas que revelam as atividades de Satanás tanto em relação a criação de Deus, como também de suas criaturas. Deus sabe todas estas coisas, mas questiona a fim de que seja registrado que Satanás se ocupada delas. Mas, ainda mais interessante é quando na segunda pergunta, Deus diz que Jó é seu servo, que é incomum, íntegro e temente a Ele. Deus não somente revela a ação do diabo, mas também seus pensamentos íntimos, sua leitura das circunstâncias.
Ao ser instigado pelo curriculum de Jó, Satanás responde a Deus com uma outra pergunta em tom de acusação: "Porventura, Jó debalde teme a Deus?". Sendo acusador (Apocalipse 12.10), não perde tempo em lançar sobre Jó a sombra de uma pessoa interesseira, de que seu temor por Deus só existe em razão das bênçãos recebidas.
É curioso, mas se observamos um pouco, essa acusação casa perfeitamente com a Teologia da Prosperidade. Satanás salientou que o temor de Jó não era sem causa, mas por motivos egoístas. Que se lhe fossem tirados os bens com quais fora cercado, seu amor se tornaria em ódio e blasfêmia. Ou seja, no entendimento do diabo, Deus por si não significada grande coisa para Jó, a não ser quando acompanhado das riquezas que lhe foram conferidas.
Sistematicamente os pregadores da teologia da prosperidade tem propagado justamente essa base relacional entre o crente e Deus. Que se Deus não abençoar o indivíduo, ele não é digno de reverência alguma. Que Deus para ser Deus tem obrigação de prover riquezas para ser crido.
Deus "aceita" o que foi proposto por Satanás, para que se soubesse o que realmente estava no coração de Jó. Ele perdeu tudo, menos a vida e a esposa. Seus filhos, bens e saúde foram como que instantaneamente tirados, e ainda assim o servo de Deus não pecou com seu lábios. Sua mulher, quando só lhe restava a vida e tumores malignos por todo o corpo, sugeriu-lhe o fim de seu sofrimento com imprecações contra Deus. Mas ainda assim Jó preservou sua integridade.
Na opinião dos profetas da prosperidade, um Deus que tira o que deu, que concede o mal além do bem, não é digno de adoração. Mas Jó afirma o contrário. Mesmo sem saber do que se tratou entre Deus e Satanás, ele reconhecia que o Senhor em sua soberania tinha direito sobre sua vida e tudo que lhe havia conferido. Ainda que Satanás tenha sido o agente das moléstias que mudaram sua sorte, adorando a Deus, Jó ressalta o direito divino de fazer o que bem entendesse com sua vida.
Certamente devemos aprender com a experiência de Jó, de que Deus é soberano, e tem autoridade e direito sobre todas as coisas. Que em toda e qualquer circunstância Ele é digno de adoração. Mas se de fato amarmos a Deus tão somente pelas bênçãos recebidas, Satanás estará certo em nos acusar como fez com Jó. E também será certo que não seremos chamados por Deus de seus servos.