sábado, 24 de junho de 2017

Como caem os valentes!

Alfred E. Neuman disse que "devemos aprender com os erros dos outros, pois não teremos tempo de cometê-los todos". A Bíblia narra inúmeros erros cometidos pelo povo de Deus, que, segundo Paulo, devem servir de exemplo e advertência para a Igreja desde os seus dias até hoje (1 Coríntios 10.6,11). Esse é um caso que podemos aplicar ao rei Saul.
Ao mesmo tempo trágica e irônica, a derrocada do primeiro rei de Israel adverte-nos quanto a rebeldia e obstinação. Saul desobedeceu as ordens de Deus quanto a sentença de morte ao rei Amaleque e os amalequitas (1 Samuel 15). Desta desobediência veio a sentença de Deus sobre sobre o seu reinado nos seguintes termos: "...a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar. Visto que rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei". (v.23). Esse era o começo do seu fim.
Ali foi posto o machado na raiz do seu trono, mas só muitos anos depois viria sua ruína final. Já no capítulo 28, cercado pelos filisteus, sendo Samuel já morto, Saul não tinha de Deus nenhuma resposta às suas consultas. Tomado de medo, e sem saber o que fazer, tornou literalmente sua rebelião e obstinação em pecados de feitiçaria e idolatria (1 Samuel 28.8-19). Ele buscou uma médium para consultar o espírito de Samuel a fim de obter direção do profeta morto. Polêmicas a parte sobre a real identidade do espírito que ali se manifestou*, a temática central do texto é a desolação em que se encontrava o rei de Israel frente a sua iminente destruição. Em seu louco desespero, se permitiu àquilo que condenou (v.3,9-10; Romanos 14.22).
Mas sua consulta à "mesa branca" não obteve o resultado esperado. O espírito não lhe deu orientação alguma, apenas mais uma vez lembrou-o da sentença que lhe proferiu no passado, e que, dentro em pouco, tornaria-se o seu presente. Em outras palavras, não havia direção futura para o rei Saul, apenas sua morte e o fim de sua dinastia. O rei literalmente caiu ao chão sem forças para se levantar. Quando conseguiu recobrar as forças com o pão feito pela médium, saiu envolto nas trevas da noite. Dentro em pouco Saul não estaria mais entre os vivos.
Em nenhum momento Saul buscou a Deus quebrantado por causa de seus pecados. Sua relação com o SENHOR era puramente utilitária. Seu sofrimento não era acompanhado de quebrantamento. Isso se evidencia pelo fato de chegar ao cúmulo de consultar os mortos, em obvia desobediência a Palavra de Deus.
A experiência de Saul deve trazer temor e tremor aos nossos corações quanto a maneira como buscamos a Deus. Fazer de Deus um talismã, como os filhos de Eli fizeram com a Arca da Aliança no início do livro (1 Samuel 4.1-5) certamente não passará impune aos olhos do SENHOR. Acharmos que Deus está subjugado às nossas pretensões, planos ou metas, e nos voltarmos a Ele apenas para que nos direcione, sem que nos quebrantemos primeiro, é achar que Deus é como qualquer outro ídolo pagão, manipulável, que pode ser comprado com oferendas. Saul foi feiticeiro antes de ir a casa da médium. Foi idólatra se invocar o nome de nenhum outro deus dos povos vizinhos. Também nós podemos nos encontrar sujeitos a esses pecados sem nos afastarmos do "arraial de nossas igrejas", sem necessariamente abraçarmos o espiritismo. Basta confundirmos obstinação com perseverança. A obstinação dá-se ao que é estabelecido por nós em nosso próprio coração. A perseverança é obediência a vontade de Deus expressa em sua Palavra, e isso requer de nós fé.
Davi, como Saul, pecou contra Deus ao longo de seu reinado. Alguns pecados de Davi poderiam ser considerados até mais escandalosos que o de seu antecessor. Mas Davi, sendo homem segundo o coração de Deus, quebrantava-se diante do verdadeiro Rei, e se humilhava dispondo-se em sua mãos, nunca agindo com manipulação. Nos humilhemos diante de Deus, e nos submetamos a sua vontade e não a nossa, fazendo coro com o Salmo 138.8...
O que a mim me concerne o SENHOR levará a bom termo;
a tua misericórdia, ó SENHOR, dura para sempre;
não desampares as obras de tuas mãos.

(*) Sou da posição de que o espírito invocado pela médium nessa passagem bíblica é de fato Samuel. Compartilho dos mesmos argumentos que o Rev. Augustus Nicodemus, que se encontram nesse link. Contudo, não faço da minha interpretação uma bandeira, não faço essa afirmação com a mesma certeza que tenho quanto a outras passagens bíblicas (Confissão de Fé de Westminster cap. I.7). Apenas entendo que o ponto principal dessa passagem é o juízo de Deus sobre Saul.