terça-feira, 25 de julho de 2017

A sementinha do mal


Muitas pessoas ficam perplexas com o fato de que crianças pecam. Falo de crianças pequenas, que mal sabem falar ou andar. "Como seria possível uma criaturinha tão nova, inexperiente, ser capaz de fazer o mal"? A dúvida a esse respeito brota da falta de compreensão sobre a condição pecaminosa em que se encontram não apenas as crianças, mas a humanidade como um todo. Para muitos o pecado provém e é alimentado em uma fonte externa ao ser humano, que o corrompe processualmente. Seria como dizer que as pessoas aprendem a fazer o mal. Ou, em outras palavras, a corrupção dos homens advém da prática do pecado. Todavia, as Escrituras nos ensinam justamente o contrário: é a prática pecaminosa que procede da corrupção previamente imputada nos homens desde a Queda.
Quando Davi confessa seu pecado no Salmo 51, ele frisa o fato de que "nasceu na iniquidade, e em pecado foi concebido por sua mãe". Nesta passagem (v.5), o rei não nos diz que o ato sexual de seus pais no qual foi fecundado era algo pecaminoso. Ele simplesmente reafirma com outras palavras o que disse no versículo 3 "o meu pecado está sempre diante de mim". Davi sabia que era pecador desde o ventre de sua mãe, e que ao nascer, mesmo sem ainda ter praticado pecado algum, já era um ser iníquo. Ele não aprenderia o pecado com outras pessoas, apenas manifestaria o que já estava nele desde sua concepção. Esse é o legado de nossos pais, o fútil procedimento que marca a humanidade (1 Pedro 1.18).
Mas a ideia corrente entre a maioria das pessoas é do pecado como algo concebido fora, como que tendo raízes externas a nós mesmos. Esse pensamento serve como justificativa de si ou daqueles que amamos. É mais palatável terceirizarmos a responsabilidade das nossas transgressões para outras pessoas ou circunstâncias. "A mulher que me deste.. ela me deu dá árvore, e eu comi" foi a confissão parelhada do homem quando questionado pelo Criador sobre sua desobediência pela qual entrou o pecado no mundo (Gênesis 3.12). Antes de admitir o que fez, com uma cajadada só acusou Deus e seu esposa. Eva também seguiu os passos de seu marido, e lançou a culpa sobre a serpente. Nesse processo, no final, ninguém acaba sendo culpado, pois tudo passa a ser circunstancial para cada um.
Se as coisas fossem realmente assim, poderiam seguir a receita dos fariseus quanto no tratamento contra o pecado. Bastaria limpar o exterior do copo, e tornar o sepulcro caiado" (Mateus 23.25-28). Contudo, não é assim que nos ensina a Palavra de Deus. Jesus deixa claro que "o que contamina o homem não é o que entra pela boca, mas o que sai" (Mateus 15.11). Para os fariseus, as imundícies que contaminam os homens encontram-se em alimentos ou objetos. Simples cerimonialismos, ou ritos externos, podiam purificar as pessoas. Mas o Senhor desloca essa perspectiva de objetos externos para a fonte real das mazelas humanas: o coração (Mateus 15.18). Esta sobre essa figura decantada em versos é terrivelmente enganoso (Jeremias 17.9). Mas o mundo por sua vez insiste em cantar "listen to your heart".
O coração é a parte mais íntima dos homens, o mais profundo do seu ser de onde procedem as fontes da vida (Provérbios 4.23). É a raiz da vida intelectual, volitiva e emocional, não podendo ser separado de nada que pensamos, desejamos ou estimamos. Em suma, nele as pessoas são o que de fato são, é a verdadeira essência de quem somos, é a aparência de Dorian Gray escondida em seu retrato, conforme a obra de Oscar Wilde.
Enquanto Jesus lista os pecados como frutos que brotam do coração, temos a tendência de sempre depositá-los na conta de outros, na qual somos, por assim dizer, meros beneficiários. Esse foi o argumento usado por Eduardo Cunha quando quis justificar sua offshore na Suíça. Sendo sinceras, ao falar de seus pecados, as pessoas poderiam lançar a campanha #SomostodosEduardoCunha. Sempre que não reconhecemo-nos cabalmente responsáveis por nossos pecados, procedemos como qualquer bandido que se vale de manobras jurídicas espúrias para justificar seus crimes. São as "folhas de figueiras" herdadas de nossos pais do Éden. 
É preciso compreender que quando lançamos uma semente no solo, a árvore que esta para germinar não provém da terra, nem da chuva que rega o solo, mas da semente. É verdade que estes elementos externos propiciam à semente condições necessárias para o desenvolvimento da planta, mas tão somente isso. Desta sorte, o que é externo ao coração do homem pode até ser propício ao pecado, mas não poderemos nos enganar pensando que poderemos enxertar a raiz do pecado em outro lugar quando tivermos que prestar contas de nossos atos. A ilustração que Lutero fazia dessa relação entre tentação e pecado serve bem para uma compreensão maior: Você pode não impedir que um pássaro pouse em sua cabeça, mas pode impedir que ali ele faça o seu ninho.
O entendimento verdadeiro da nossa condição pecaminosa não simplesmente informa, mas aponta a transformação que realmente necessitamos. Quando reconhecemos que o mal está, antes de tudo, em nós mesmos, reconhecemos também que o antídoto vem de fora, e precisa, antede mais nada, ser aplicado em nosso coração. Não adianta blindar a "boca contra o que é impuro" quando no coração encontram-se todo tipo de imundície. A purificação não se achará em nós mesmos, em algum tipo de reeducação moral disposta em uma receita farisaica. A raiz do mal é por demais profunda, está muito além do nosso alcance para arrancá-la. É necessário nascer de novo!
Aquele que venceu a morte é quem tem o poder de nos dar Vida Nova. Não é a primeira infância que torna puro o ser humano, e sim a segunda. É crendo que no sacrifício de Jesus que contemplamos o poder pelo qual somos libertos da escravidão do pecado. Mas esse é o tipo de conhecimento também nos humilha, pois lança por terra a terceirização do pecado e, consequentemente, a bondade intrínseca que imaginamos ter. É tão somente quando nos damos conta do quanto realmente estamos perdidos, do quão profunda foi a nossa queda, que admitimos que somente o Filho de Deus pode nos alcançar. É quando reconhecemos o quão pecadores somos, sem terceirizar nossa culpa, é que também reconhecemos naquele que é Santo o poder para nos fazer crianças do seu Reino, concebidas não em pecado, mas no poder do Espírito que nos santifica.