terça-feira, 21 de novembro de 2017

Calvinistas de Grife


É fato que uma roupa pode dar uma impressão muito errada a respeito de uma pessoa. Lembro-me de um roubo à uma joalheria em que bandidos entraram trajando ternos caros. Os funcionários não desconfiaram da intenção daqueles homens até que anunciaram o assalto. Essa camuflagem de panos já era utilizada nos dias de Jesus pelos fariseus, quando alongavam as franjas de suas túnicas, transparecendo mais santidade que os demais mortais. Mesmo muito antes disso, nossos pais no paraíso acreditaram que remendos de folhas poderiam esconder o seu verdadeiro caráter.
Nesses casos em que nos referimos literalmente às roupas, é mais fácil descobrir que a indumentária de uma pessoa muitas vezes não corresponde ao seu verdadeiro eu. Alguém que se veste bem não é necessariamente uma pessoa de bem, e vice-versa. Mas alguns, de maneira mais sutil, vestem-se de um discurso que pode muito bem lhes conferir uma aparência conveniente ao ambiente onde se encontram, todavia isso não confere com o que realmente são.
No tempo do seminário eu percebia alguns colegas com um discurso calvinista engajado. Eram entusiastas no ambiente acadêmico, na frente dos professores. Mas, no convívio do dia-a-dia, esses mesmos colegas revelavam-se na prática avessos à teologia Reformada. Muitos encobriam suas tendências pentecostais, outros mostravam-se incrédulos quanto a Providência divina. Para estes, o Calvinismo é apenas uma grife que possibilita sua inclusão entre os reformados, como se fosse uma marca muito apreciada, e necessária para sua aceitação. Contudo, essa mesma marca não lhes caia bem.
Previ que a maioria destes, ao saírem do seminário para seus respectivos ministérios, uma vez despidos daquela grife, viriam-se livres dessa "farda" em suas igrejas. Como alguém que chega em casa e quer por tudo ficar à vontade (bermuda, camiseta e pés no chão), longe dos olhos dos professores e colegas, eles poderiam trajar a teologia que lhes parecesse mais confortável. Mas, ainda assim, em ocasiões especias, a grife John Calvin é tirada do guarda roupas teológico, e mais uma vez lhes conferiria uma aparência muito diferente do que são ou creem.
No último ano do seminário, conversando com um pastor que chegava ao nosso presbitério falamos sobre predestinação, eleição, Calvino e outros assuntos que empolgariam qualquer reformado. Apesar daquele impressionante primeiro contato, ao longo do tempo que esteve em nosso presbitério, o que se revelou a seu respeito é que ele podeira ser tudo na vida, menos calvinista. No discurso livre, é fácil sustentar conceitos circunstancialmente convenientes, mas na lida do ministério; no púlpito ou nos aconselhamentos, frente à decisões conciliares, é que as pessoas revelam quem são e no que creem de verdade.
Os Calvinistas de Grife revelam sua incompatibilidade com a teologia Reformada não meramente porque negam a soberania e a graça de Deus na salvação. Os que assim o fazem, são simplesmente arminianos. Os que negam a segurança eterna da salvação dos eleitos, o quinto ponto da TULIP, chamo-os de Calvinistas de quatro patas, e também não me refirmo a estes aqui. Mas muitos que conservam parte da soteriologia calvinista, contudo não aplicam-na à eclesiologia. Esses, ao meu ver, revelam-se embusteiros camuflados de Reformados.
Mesmo adotando um discurso onde se afirme a soberania de Deus na salvação do homem, o que se vê em alguns casos é uma incongruência entre mensagem e formato. Se cremos que Deus soberanamente salva os seus eleitos, devemos crer também que Ele o faz pelos meios estabelecidos em sua Palavra, a saber que "a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Deus" (Romanos 10.17). Ao colocar em segundo plano a exposição bíblica, recorrendo à logística humana das mais variadas, evidencia-se que Deus não é tão soberano assim, e que precisa da criatividade dos homens para alcançar seus propósitos sobre a sua Igreja. Como se diz "o formato da mensagem já é uma mensagem em si".
Aqueles que pretenderam "ajudar" Deus como se tivesse necessidade de alguma coisa, não tiveram um final feliz. Penso eu que Nadabe e Abiú tinham boas intenções ao trazerem em seus incensários fogo estranho para o altar. Alguns versículos antes eles viram o fogo de Deus promovendo a Sua glória, trazendo júbilo e temor ao mesmo tempo sobre o povo. Na imaginação deles, com suas próprias mãos, podiam produzir o mesmo efeito, supostamente para glória de Deus. Mas Deus não divide a sua glória, e por isso foram fulminados.
Calvinistas de grife também não confiam na soberania de Deus quanto ao governo da Igreja. O sistema presbiteriano não corresponde meramente à uma forma de governo mais prática e segura quanto às decisões tomadas em conselho. Antes de tudo, significa a confiança na providência divina sobre todo e qualquer processo, mesmo quando as decisões tomadas não correspondem às nossas expectativas. Quando burlam o sistema através de manobras incompatíveis com a nossa Constituição (ainda que esta não seja inspirada, e que por meio do devido processo possa sofrer alterações), desconsideram o senhorio de Cristo sobre a sua Igreja. Usar de recursos irregulares nos processos eclesiásticos é o mesmo que desacreditar a doutrina da Providência. É pretender usurpar de Deus o domínio dele sobre todas as coisas. 
Um exemplo de algo aparentemente menos pretensioso aconteceu com Uzá quando a Arca da Aliança era trazida de volta (1 Crônicas 13.9,10). Apesar de se tratar de um carro novo, o transporte da Arca não foi feito conforme o prescrito na Palavra de Deus (Êxodo 25.12-15), e Uzá ao tocá-la mostrou-se irreverente para com a Santidade de Deus (Números 4.15). Seu reflexo, ainda que de forma não intencional, revelou sua falta de temor para com Deus, o que já esta latente na desobediência às instruções sobre o transporte da Arca.
Muitos tentam dar uma mãozinha para Deus como fez Uzá. Outros trazem fogo estranho para a Igreja como os filhos de Arão. Não me atenho ao chamado foro íntimo, pois deste cada um prestará contas a Deus. Como disse a respeito das personagens bíblicas supracitadas, creio que talvez não tivessem más intenções no que fizeram. Mas ainda assim, não foram poupadas em suas transgressões. Desta sorte, não julgo a intenção de quem quer que seja, mas a incoerência de um discurso Calvinista seguido por práticas que não levam a sério a soberania de Deus. Se Ele atenta às mínimas coisas, aos fios de cabelo de uma pessoa, aos pardais que quase nenhum valor tinham (Lucas 12.6,7), como pode alguém pretender saber mais que Ele. A coerência para com Deus é confiarmos em sua Palavra, e em sua providência, nunca lançando mão de recursos escusos. Assim como Ele disse, assim Ele fará.
Os homens podem ser enganados pela aparência, por pouco ou muito tempo. Podem ser induzidos por discursos carregados de assertivas verdadeiras, mas desacompanhadas de posturas e condutas coerentes com a verdade. Uma vez que SENHOR atenta ao coração (1 Samuel 16.7), aqueles que acreditam que podem enganar os demais com um verniz de teologia Reformada deveriam temer e tremer em sua presença. Ainda que não vejamos hoje o juízo de Deus manifestar-se como com Uzá, Nadabe e Abiú, certamente Deus não deixará passar impune aqueles que maculam sua Noiva e obscurecem sua glória. Os fariseus, com seus largos filactérios e longas franjas, usavam a Lei para sua própria Glória, e não foram condenados por Jesus por aquilo que diziam, e sim pela incongruência de vida (Mateus 23.3). As folhas cerzidas por nossos pais não puderam encobrir o pecado aos olhos de Deus. Fora necessário que o Senhor provesse para eles vestes de peles de animais. Assim, ou confiamos cabalmente em Deus, em sua Palavra e Providência, ou enganamos a nós mesmos, e certamente não seremos tidos por inocentes. 
         

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