O ser humano é uma criatura religiosa por natureza. Digo, faz parte das pessoas relacionarem-se com alguém ou algo que está acima delas. Isso não se encontra apenas na narrativa bíblica, mas desde os primeiros relatos da história humana em geral. Portanto, negar a própria religiosida como alguns fazem, com a intensão de parecer despretenciosos é um grande embuste.
A questão não é se somos ou não religiosos, mas como nossa religiosidade se manifesta. Isso reflete o tipo de relação e entendimento que se têm sobre quem o está sobre nós. Jesus conta uma parábola com o claro propósito de demonstrar como a religiosidade das pessoas pode ser tão antagônica, mesmo entre aquelas tão próximas. Ele fala a respeito de dois homens que foram ao templo com o mesmo propósito: orar. Um era fariseu, membro de uma rígida seita judaica, o outro era publicano, um coletor de impostos para Roma. Estes coletores via de regra eram associados com pecadores por cobrar mais do que o devido. Era um respeitado membro da sociedade e uma odiada pessoa no templo com um mesmo propósito: elevar suas preces a Deus.
Ambos oravam, um em pé e outra afastado. Um de si para si, o outro sem sequer erguer os olhos ao céu. Um dava graças, o outro batia no peito. Um enumerava suas qualidades e desdenhava do publicano, enquanto este pedia misericórdia e confessava-se pecador. Jesus declarou que o publicano voltou para casa justificado, e o outro não, pois que os que se exaltam serão humilhados, e os que se humilham serão exaltados.
Qual a grande questão entre os dois, afinal, sendo ambos religiosos? Seria o caso de desprezar todas as práticas enumeradas pelo fariseu e adotar uma vida libertina como a do publicano? Certamente que não. A grande questão encontra-se na postura diante de Deus. Como Jesus definiu claramente, a oração do fariseu era de si para si. No caso, Deus era apenas um pretexto para que ele estivesse ali se exaltado diante de todos e sobre o publicano. Aquilo que ele deveria fazer para glória de Deus, em sua oração servia para sua própria exaltação. Sua primeira expressão de “gratidão” era por não ser como os demais pecadores. Mas a Palavra ao contrario disso, afirma que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3.23). O segundo motivo de gratidão do fariseu era a sua agende de boas obras: Jejum e dízimos. Mais um vez repito que a parábola não está condenado o ato de jejuar e dizimar. Todavia é nítido que isso não pode ser usado para a glória pessoal. Jejuamos porque carecemos de Deus em nossas vidas. Nada é mais importante que Ele, e por isso abrimos mão por vezes do nosso alimento diário a fim de expressarmos nossa fome por Ele. Os dízimos são dedicados na “casa de Deus” para o sustento da mesma, e isso não é mais que uma prazeirosa obrigação e sinal de gratidão diante do sustento que Deus provê para os seus filhos. Não se pode querer literalmente comprar glória pessoal pelos dízimos, mas sim devolver parte do que pertence a Deus, como sinal de gratidão e confiança. Assim, na íntegra a oração do fariseu negava a glória de Deus, tomando-a para si.
A oração e a postura do publicano era mais simples e contida. Ele provavelmente não estava em um lugar de destaque, pois o texto diz que estava afastado. Ele também não devia orar em alta voz, pois nem sequer os olhos ele erguia para o céu, quanto mais a sua voz. Além disso ele batia no peito, sinalizando contrição de sua parte. Sua curta oração rogava a Deus o seu favor, ainda que ele fosse pecador. Na verdade, a expressão sê propício tinha todo sentido particular para aquele lugar. O propiciatório, lugar onde se fazia sacrifícios pelos pecados cometidos pelo povo estava ali no Templo, era a tampa da Arca da Aliança onde os animais eram mortos. Aquele publicano parecia tanto saber quem era, como também com quem falava e onde estava. Ele sabia que era pecador, e que estava falando com Deus dentro de Sua casa.
A justificação é um ato que pertence a Deus. Jesus declara que o publicano desceu justificado, ou seja, ele saiu do templo diferente de como entrou. Ao passo que o fariseu saiu da mesma forma. A nossa religiosidade não pode ser de nós para nós mesmos. Não pode ser pautada em nossos atributos ou práticas religiosas. Nesse sentido, todos sobre a terra são religiosos, e isso em si não lhes acrescenta nada. As orações, jejuns e dízimos não nos recomendam a Deus. Ou fazemos isso em sua dependência e para sua glória, ou estamos entregues a nós mesmos. Nossa religiosidade deve ser segundo quem Deus é, e o que Ele fez e faz por nós. Deus é Senhor e soberano sobre a terra, diante de quem devemos nos apresentar com reverência, temor e fé. Sabemos que seu Filho é o supremo sacrifício, e que a cruz é o lugar da propiciação pelos pecados. Nós pecadores não temos outra esperança a não ser confiar na obra realizada na cruz, e crer que o Pai é quem nos justifica pelo sangue do seu Filho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário