“A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça" Romanos 1.18 |
II.
Ao
longo da História, em tempos mais remotos, Deus era mais comumente retratado
como um Deus irado. A visão que Lutero tinha de Deus, de um Deus punitivo, com
o pavor que lhe causava, fazia com que se penitenciasse a fim de aplacar sua
ira. Jonathan Edwards pregou seu famoso sermão “Pecadores nas mãos de um Deus
irado” nos tempos de avivamento do século 18. Contudo, a partir do século 19,
essa perspectiva mudou radicalmente. Os homens já não eram mais “tão
pecadores”, e Deus, por sua vez, já não estaria “tão irado”. Por que, e o que
mudou?
Primeiro faz-se necessários considerar a visão Teológica Liberal sobre Deus e o homem. O
liberalismo teológico propagado a partir do século 19, buscou esvaziar as
Escrituras de tudo que pudesse ser considerado sobrenatural. Toda e qualquer
ação divina na história, seja pela Providência, ou mesmo através de milagres,
passaram a ser creditados como mitos criados a fim de causar nos leitores uma
certa apreensão. O trabalho dos teólogos naqueles dias era desmistificar o
texto bíblico “recheado de lendas” escritas para uma sociedade “primitiva”
(perspectiva que já refletia uma cosmovisão evolucionista).
Segundo essa perspectiva, a humanidade havia evoluído, e o pensamento
iluminista insistia que o homem, cheio da razão, não tinha mais necessidade de
“contos da carochinha”. E como toda evolução, em tese, é para o bem, homens
bons não precisavam se preocupar com a ira de Deus. A Bíblia passou a ser
apenas um gigante manual da boa conduta.
O
pensamento liberal permeia a mente de todos os que acham que não são tão maus,
e que por isso, Deus, não tem o direito de se irar conosco, ou com a
humanidade. A “fé na humanidade” é uma afirmação bastante difundida diante de
grandes ou pequenos gestos de solidariedade. Mas, o que na verdade afirma-se
nessa fé é a suficiência do homem em detrimento da Santidade de Deus.
Em
suma: O homem não é tão mau, ele pode
sempre melhorar. E Deus, que não é o único ser bom, não tem razão para se irar,
apenas precisa ser mais paciente.
Mas qual é a visão bíblica de Deus e do homem?
Romanos
1.18 nos diz que Deus revela sua ira. Mas nos versículos 16 e 17, Paulo já
havia dito que o “evangelho, porque é o poder de
Deus para a salvação de todo aquele que crê” e que “a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé”.
Antes de entrar na ira de Deus, por assim dizer, Paulo anunciou o evangelho do
poder da salvação dos homens, mediante a justiça revelada e recebida pela fé.
O
que está implícito aqui, e explícito em outras passagens bíblicas, é que o homem
é pecador, está perdido, condenado, morto em seus delitos e pecados. Nessas
condições o homem não pode salvar-se a si mesmo. O único que pode salvá-lo é
justamente aquele contra quem ele pecou: Deus. E é aí que podemos observar a
grandeza de Deus em sua graça, pois justamente Ele quem sofreu a ofensa é quem
oferece redenção para o ofensor.
Tamanha
bondade imerecida é chamada de graça. E por ser assim tão “incrível”, é que só
pode ser recebida pela fé, ou seja, a pura e simples confiança exclusiva em
Deus e em seu caráter bondoso.
Mas se Deus é assim tão bom, ainda há espaço para a ira? É justamente por isso que a visão bíblica da ira de Deus contra os homens se sustenta.
Tome como ponto de partida o que diz Isaías. Na mesma profecia que diz “vinde como estais”, também diz “deixe o perverso
o perverso o seu caminho, e o iníquo os seus pensamentos; converta-se ao
Senhor” (Isaías 55.1,7). O Evangelho é o poder de Deus para a salvação daqueles
que “não têm dinheiro para comprar o que comer”. O homem “espiritualmente
negativado”, falido no pecado, é convidado para a mesa do Senhor a quem ele
deve literalmente até a alma. O mesmo chamado que admite que o homem não pode se salvar, diz que seus caminhos devem ser endireitados. Isso só é possível pela fé na obra do Salvador.
Esse
evangelho que é poder para a salvação, é um convite gracioso do Santo Deus
criador dos céus e da terra. Rejeitar esse convite implica não meramente em uma falta de etiqueta, mas em pecado. O pecador é pior do que um cão que morde
a mão do seu dono que o alimenta. A ingratidão nesse caso é dobrada em função
do fato de que o homem já era devedor. O homem, uma vez convidado ao
arrependimento para que sua dívida fosse cancelada, que procede com soberba,
não pode esperar nada além da ira de Deus.
Essa
ira de Deus é, portanto, santa e justa.
(1) Santa não apenas porque procede daquele que é moralmente perfeito, mas
também porque procede daquele que não é como ninguém mais. Não podemos comparar
a ira de Deus com a nossa, pois Ele está acima de tudo e de todos, e não está
sujeito às contingências do tempo e do espaço. (2) Ela é também justa porque
não procede de um capricho, ou é desproporcional a sua causa. A ira de Deus não
é uma irritação ou um incômodo, mas a manifestação de um julgamento perfeito,
e, portanto, proporcional sobre o pecado dos homens.
O que concluímos disso tudo?
Não
podemos negar a manifestação da ira de Deus sobre a humanidade ao longo da
história. Assim como nas Escrituras constatamos que guerras, fomes, pestes e
outras tragédias naturais são creditadas à Deus, também devemos entender que
esse mesmo Deus continua sendo o mesmo.
Mas
antes de observamos a ira de Deus, devemos atentar para o fato de que Deus,
mesmo sendo ofendido pelo nosso pecado, enviou seu Filho para pagar o preço
dessa ofensa, com seu sangue na cruz. Esse é o evangelho que salva, que só pode
ser recebido pela fé, porque nada em nós pode nos creditar diante de Deus.
Deus
ao longo da história manifesta sua ira, pois ele não pode deixar o pecado
impune. Um Deus bom e santo certamente tomará vingança contra seus ofensores,
especialmente aqueles que desprezaram o sacrifício do seu Filho na cruz.
Mas
a ira final ainda está para ser derramada. Antes que isso aconteça, o evangelho
nos chama a fé e ao arrependimento, ou seja, a confiança na bondade de Deus, e
ao abandono das nossas obras más que tanto ofendem aquele que é Santo.
Que Deus nos ajude!
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