segunda-feira, 18 de junho de 2012

Julgue e seja julgado

Gosto muito de comida chinesa, por isso meu julgamento não é sobre a culinária, e nem ao povo chines. Mas quando fazia os módulos do mestrado no Andrew Jumper, nunca tive coragem de comer em um restaurante que funcionava atrás do prédio. Em todas as minhas idas a São Paulo, exerci meu critério de julgamento sobre aquele lugar em benefício da minha saúde. O cheiro era simplesmente insuportável. Esse restaurante não existe mais, creio que por causa do bom senso da população, ou por alguma medida do centro de vigilância sanitária. Julgar é uma das coisas mais comuns e práticas da vida, fazemos isso todos os dias. O problema é que em aspectos filosóficos e comportamentais, as pessoas preferem negligenciar isso em nome de uma suposta bondade para com o outro.

Minha palavra nesse post não é contrária a Escritura. Não quero contradizer Mateus 7.1 de maneira alguma. Ao contrário, quero firmar-me no todo do que Jesus disse nessa passagem que segue do primeiro versículo ao quinto deste capítulo. Esse texto, como muitos outros na Bíblia, é tirado do seu contexto e apresentado com uma outra proposta diferente.

De maneira quase mítica, não julgar os outros tornou-se regra infalível para muitos. É uma justificativa bíblica para uma "imparcialidade respeitosa". Essa turma da tolerância e respeito se esquece que a regra áurea da interpretação é: a Bíblia interpreta-se a si mesma. É necessário considerar o texto no todo, e em seu contexto, antes de sustentar qualquer parecer nesse sentido. Nesse caso, "não julgueis, para que não sejais julgados" serve, via de regra, para coibir as pessoas de apresentar qualquer parecer contrário a outros. Em outras palavras: Não expresse opinião alguma que denigra o outro ou sua conduta - por mais que essa seja condenável. O fundo desse "parecer contrário ao parecer contrário" (é irônico, mas é isso) é uma suposta paz entre as pessoas, respeito e tolerância para com o diferente. É uma ideia carregada de um ar de piedade para com o próximo, mas que na verdade é imerso em relativismo. "Não julgueis para não ser julgado" é sempre usado em discussões, proposto por quem aparentemente sustenta uma opinião diferente, mas que ainda assim tem a "grandeza" de conviver com o outro sem contradizê-lo. É um cala-boca para os julgamentos "preconceituosos", partindo daqueles que preferem manter-se imparciais, num sinal de equilíbrio. Pois bem, julguemos esse parecer a luz do texto.

Quando Jesus chega a esse ponto, caminhando para o fim do Sermão do Monte (Mateus 5-7), ele já havia falado sobre as Bem-aventuranças (dessa parte todos gostam), consequentemente do serviço dos discípulos enquanto sal e luz do mundo, e segue com a verdadeira interpretação da Lei - num ato de julgamento às falsas interpretações dos escribas e fariseus - onde a hipocrisia da observância externa é condenada (5.17- 6.24). Jesus fala ainda sobre ansiedade, mostrando que os filhos do reino não tem necessidade disso, como os gentios (mais um julgamento étnico). Logo após o texto sobre "não julgar", Jesus fala de cães e porcos com referência aqueles que menosprezam o evangelho com zombaria, e pouco depois (7.15-23) sobre os falsos profetas, que apesar de sinais, profecias e expelirem demônios, seriam condenados ao fogo.

Todo esse contexto nos faz entender que a ideia primordial no texto em questão não é a proibição ao julgamento, mas evidentemente ao julgamento hipócrita (v.5) e parcial (v.2). Os mesmos hipócritas que se portavam em conformidade a lei apenas na aparência, também julgavam com parcialidade, a exemplo do que Jesus denuncia em Mateus 23.4. Eles eram carregados de pecado, mas viam nos pecados alheios algo mais pesado do que os seus próprios. O que Jesus aqui chama de argueiro (galho seco) e trave (viga) nos olhos; lá em Mateus 23.24 ele fala em coar o mosquito e engolir o camelo. Assim, a questão não é o julgamento em si, mas julgar sem antes se auto examinar. Ao contrário do uso indevido, o texto diz sim que se deve julgar o outro. Uma vez que não se julga parcialmente, cegado por um trave, é legítimo reparar no argueiro que está no olho do irmão e tirá-lo (v.5).

Para tanto é preciso usar critérios absolutos, não a mera comodidade de esconder-se em padrões morais que recomendam a si mesmo. Um exemplo nesse sentido, vem de Davi, que tinha consciência de sua pecaminosidade, e também, não obstante o seu pecado de adultério e assassinato, pede a Deus que o restaure do mesmo para que possa ensinar aos transgressores (Salmo 51.5-13). O evangelho restaura o pecador, e essa graça deve ser compartilhada pelos crentes a todos. Mas isso é impossível se negarmos a verdade ao faltoso, por receio de ofendê-lo exercendo sobre sua conduta o devido julgamento.

O Evangelho do Reino ensinado pelo Senhor era a exata antítese do que viviam os escribas e fariseus (7.28). Tinha autoridade por que não era da boca para fora. Isso não exclui o julgamento, mas em si já é um julgamento aos hipócritas. Observando a vida de Jesus, veremos que ele julgou e foi julgado. Em todo o seu ensino ele apresentou conceitos contrários aos vigentes na condição caída em que se encontra o homem. Seu julgamento era diferenciado porque partia de um absoluto, em outras palavras, dele mesmo, a Verdade (João 14.6). No aspecto humano do decreto, esse foi um dos motivos pelo qual o Sinédrio se sentiu tão incomodado com ele, e que os levou a julgá-lo e condená-lo a morte. O fato de Jesus não ser como eles, e denunciá-los (julgá-los), os fez sentirem-se incomodados e dispostos a calar o Senhor com a morte. Jesus julgou, e foi julgado e morto. Mas ressuscitou e voltará para julgar finalmente todos na terra, separando-os como quem distingue ovelhas de cabritos (Mateus 25.31-33).

É segundo os critérios de Cristo, ou seja, sua Palavra, as Escrituras, é que somos chamados a julgar todas as coisas (João 7.24; 1 Coríntios 2.15; 5.12; 6.3-5; 1 Tessalonicenses 5.21,22). O Senhor mesmo não veio trazer paz, mas espada (Mateus 10.34-35). Não nos cabe um papel passivo, covarde, timído, frente a tudo que ofende a santidade e sabedoria de Deus. Optar por um posicionamento neutro, em cima do muro, é o mesmo que negar o absoluto que se encontra na revelação bíblica, assumindo um relativismo pós-moderno de convivência pacífica. Isso constitui até mesmo falta de amor para com os perdidos, relegando-os a cegueira da ignorância e morte. Uma vez que a Palavra da Verdade abriu-nos os olhos, temos mais que a obrigação de julgarmos, temos nessa mesma medida o dever de ensinar pelos critérios do evangelho, como fez o nosso Senhor e Mestre Jesus.

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